26 de out. de 2009

Poema da duvida



Nesta sombra em que vivo,
Sonho que me apareceras,
Numa hora extática...
E ando a esperar-te, noite por noite...
Sonho que te hei de ver,
Todo vestido de oiro,
Com os cabelos carregados de estrelas
E as mãos enfeitadas de luas...
Sonho que desceras a ver-me,
De tanto me ouvires
Cantar e louvar
O teu nome...
Nesta sombra em que vivo,
De te evocar,
É como se já tivesses vindo...
Como se houvesse visto os teus olhos,
Que devem ser a própria alma da luz...
Como se houvesse adorado o teu coração,
Onde morrem todos os corações que viveram
E de onde nascem todos os corações...
Nesta sombra em que vivo,
Sofro por seres assim irreal,
Assim tão além do que se pode pensar...
Sofro porque nem sei
Quando haverá, nos meus olhos,
Luz com que te veja
E com que te adore...
.................................................................
Nesta sombra em que vivo,
Por que me não apareces,
Numa hora extática,
Se sabes que te ando a esperar,
Noite por noite!...



Cecília Meireles
In: Poema dos Poemas

19 de out. de 2009

Lei



O que é preciso é entender a solidão!
O que é preciso é aceitar, mesmo, a onda amarga
que leva os mortos.

O que é preciso é esperar pela estrela
que ainda não está completa.

O que é preciso é que os olhos sejam cristal sem névoa,
e os lábios de ouro puro.

O que é preciso é que a alma vá e venha;
e ouça a notícia do tempo,
entre os assombros da vida e da morte,
estenda suas diáfanas asas,
isenta por igual.
de desejo e de desespero.


Cecília Meireles,
in Dispersos (1954)

8 de out. de 2009

TUMULTO



Tempestade. O desgrenhamento
Das ramagens ... O choro vão
Da água triste, do longo vento,
Vem morrer-me no coração.

A água triste cai como um sonho,
Sonho velho que se esqueceu ...
(quando virás, ó meu tristonho
Poeta, ó doce troveiro meu! ...)
.....................................................
E minha alma, sem luz nem tenda,
Passa errante, na noite má,
À procura de quem me entenda
E de quem me consolará ...


Cecília Meireles
In Nunca Mais e Poema dos poemas

7 de out. de 2009

Defronte da janela em que trabalho



Defronte da janela em que trabalho.
Nas horas quietas, em que tudo dorme,
Sobranceira e viril, como um carvalho,
Alevanta-se espessa arvore enorme.

O zéfiro um momento encrespa um galho
À sua barba: e, ou seja que a transforme
O vento ou meu olhar, a arvore enorme,
Erguida ante a janela em que trabalho,

Toma a feição de uma cabeça rude,
Sonolenta e selvatica oscilando
Numa estranha, fantástica atitude.

E, posta a contemplá-la, esta alma cuida
Ver sob o azul do céu, diáfano e brando,
A fronte erguer, leonina, o ultimo druida.


Cecília Meireles
In: Espectros
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